Enem 2025 questiona lagarto que inspirou Ozempic e causa comoção nas redes

Enem 2025 questiona lagarto que inspirou Ozempic e causa comoção nas redes

O segundo dia do Exame Nacional do Ensino Médio Brasil, realizado em 16 de novembro de 2025, virou fenômeno nas redes sociais — não por causa de um erro ou polêmica política, mas por uma única pergunta de biologia. A 99ª questão da prova de Ciências da Natureza trouxe o monstro-de-gila (Heloderma suspectum), um lagarto venenoso do deserto norte-americano, como protagonista. Sim, aquele réptil que parece saído de um filme de ficção científica — com pele granulada, língua bifurcada e mordida capaz de matar — é o mesmo que ajudou a criar um dos medicamentos mais vendidos do mundo: o Ozempic.

Do veneno à pílula: como um lagarto mudou a medicina

O monstro-de-gila, com até 60 cm de comprimento e hábitos noturnos, vive em regiões áridas do sudoeste dos Estados Unidos e noroeste do México. Ele se esconde em tocas, sobrevive meses sem comer e, quando se alimenta, devora presas inteiras — e ainda assim, seu metabolismo desacelera como se estivesse em modo economia. Essa habilidade intrigou cientistas em 1981, quando descobriram que sua saliva contém uma molécula chamada exendina-4, quase idêntica ao hormônio GLP-1 produzido pelo corpo humano.

Esse hormônio regula a glicose no sangue e aumenta a sensação de saciedade. O que era um mecanismo de sobrevivência para o lagarto virou a base de uma revolução médica. Em 2005, a farmacêutica Eli Lilly lançou o Byetta, o primeiro medicamento baseado nessa descoberta. Os pacientes com diabetes notaram algo inesperado: estavam perdendo peso. Muitos começaram a usá-lo off-label para emagrecimento — um sinal precoce do que viria.

Quase duas décadas depois, em 2017, a Novo Nordisk lançou o Ozempic, uma versão mais eficaz, com aplicação semanal. Em 2021, a mesma substância, em dose mais alta, foi aprovada como Wegovy para tratamento da obesidade. Em 2023, só esses dois produtos geraram US$ 21 bilhões em vendas globais. Milhões de pessoas com diabetes tipo 2 e obesidade passaram a ter controle real sobre suas condições — e tudo começou com o veneno de um réptil mal-interpretado como ameaça.

Por que o Enem escolheu esse lagarto?

Segundo Pedro Lopes, supervisor de Avaliações da SAS Educação, a questão não exigia conhecimento técnico profundo sobre bioquímica. “Era, na verdade, basicamente sobre essa capacidade de adaptação e em que ambiente brasileiro os animais desse grupo taxonômico poderiam ser encontrados”, explicou em entrevista ao Diário do Nordeste. A resposta correta — alternativa C — apontava que o habitat do monstro-de-gila se assemelha ao clima seco da catinga, região do semiárido nordestino.

Isso explica por que a pergunta gerou tanta confusão. Muitos candidatos imaginaram que teriam de decorar nomes de moléculas ou mecanismos hormonais. Na verdade, bastava saber que répteis que vivem em ambientes secos e quentes têm adaptações semelhantes — e que a catinga é o equivalente brasileiro dos desertos norte-americanos. “Foi uma questão de ecologia, não de farmacologia”, reforçou Felipe Carvalho, professor que liderou a correção da prova para a CNN Brasil.

A voz que antecipou a tempestade

Seis dias antes do exame, o biólogo Paulo Jubilut publicou um vídeo nas redes sociais que viralizou entre professores e estudantes. “Esse lagarto venenoso que quase foi extinto, salvou milhões de vidas e agora pode salvar a sua”, disse ele. “O veneno que matava coelhos em minutos virou a base de um remédio.”

Seu conteúdo, simples e emocional, conectou ciência e história de forma que poucos conseguem. Ele não só explicou a origem do Ozempic — como muitos fizeram —, mas deu humanidade ao réptil. “É um dos dois únicos lagartos venenosos da América do Norte. Não é um monstro. É um sobrevivente.” A frase foi compartilhada mais de 800 mil vezes. Quando a questão saiu no Enem, milhares de estudantes comentaram: “Foi o Paulo Jubilut!”.

O que isso significa para o futuro da medicina?

O que isso significa para o futuro da medicina?

O monstro-de-gila não é um caso isolado. A ciência já usou veneno de aranha para criar analgésicos, de cobra para desenvolver anticoagulantes e de sapos para tratar doenças neurológicas. Mas o que torna esse caso tão poderoso é a escala: um único animal gerou um mercado de bilhões e mudou a vida de pessoas que, há uma década, eram consideradas “sem esperança”.

Hoje, pesquisadores buscam compostos em animais ameaçados de extinção — como o sapo venenoso da Amazônia e a serpente da Nova Guiné — que podem conter moléculas ainda mais precisas que o GLP-1. “O veneno é um laboratório natural de milhões de anos de evolução”, diz a bioquímica Dra. Clara Mendes, da Universidade de São Paulo. “Nós apenas começamos a decifrar o código.”

Enquanto isso, o monstro-de-gila, que por décadas foi caçado por medo e ignorância, agora é protegido em reservas e estudado em laboratórios. Sua imagem aparece em livros didáticos, vídeos educativos e até em camisetas de estudantes que passaram no Enem. Ele deixou de ser um bicho assustador para virar símbolo de que a natureza, mesmo nos lugares mais áridos e esquecidos, guarda soluções que a ciência ainda nem imagina.

Quais são os próximos passos?

Em 2026, a Anvisa deve analisar novas versões sintéticas de exendina-4, com efeitos mais duradouros e menos efeitos colaterais. Além disso, a União Europeia já aprovou estudos para usar esses compostos em pacientes com Alzheimer e doenças cardíacas — áreas onde o GLP-1 também demonstra potencial. O Brasil, por sua vez, ainda não tem produção nacional desses medicamentos, mas investe em parcerias com universidades para mapear venenos de animais nativos.

“A próxima grande descoberta pode vir de um escorpião do Ceará, de uma rã da Mata Atlântica ou de uma aranha do Pantanal”, diz o ecologista Dr. Ricardo Viana. “Mas só se protegermos esses habitats. Porque se eles desaparecerem, a cura também some.”

Frequently Asked Questions

Como o veneno do monstro-de-gila se transformou no Ozempic?

Em 1981, pesquisadores descobriram que a saliva do lagarto contém exendina-4, uma molécula semelhante ao hormônio GLP-1 humano, que regula a glicose e a saciedade. Essa descoberta levou ao desenvolvimento do Byetta, em 2005, e depois ao Ozempic, em 2017, que é mais eficaz e de uso semanal. O Ozempic imita a ação natural do GLP-1, ajudando a controlar a diabetes e a obesidade com eficácia de até 15% na perda de peso.

Por que a questão do Enem gerou tanta polêmica se era simples?

Muitos candidatos acreditaram que precisavam entender bioquímica avançada, mas a pergunta exigia apenas reconhecer que o habitat do monstro-de-gila — deserto árido — é similar à catinga brasileira. A confusão veio da surpresa: ninguém esperava um lagarto venenoso no Enem. A complexidade real estava na conexão cultural, não na biologia.

Quem é Paulo Jubilut e por que ele foi importante?

Paulo Jubilut é biólogo e professor que, seis dias antes do Enem, postou um vídeo explicando de forma acessível a ligação entre o monstro-de-gila e o Ozempic. Seu conteúdo viralizou, humanizando o réptil e mostrando seu impacto real na medicina. Muitos estudantes o citaram nas redes após verem a questão, tornando-o uma figura simbólica da ciência popular no Brasil.

O Ozempic e o Wegovy são a mesma coisa?

São versões da mesma substância, a exendina-4. O Ozempic foi aprovado para diabetes tipo 2, enquanto o Wegovy, liberado em 2021, usa uma dose mais alta para tratar obesidade. Ambos são administrados semanalmente e têm eficácia comprovada. O Wegovy é considerado o primeiro medicamento de longo prazo aprovado especificamente para emagrecimento, e não apenas para controle da glicose.

Existe algum animal brasileiro com potencial similar ao monstro-de-gila?

Sim. Pesquisadores da USP e da UFPA estão estudando o veneno do sapo Phyllomedusa bicolor, da Amazônia, que contém compostos com efeitos neuroprotetores e anti-inflamatórios. Outros estudos analisam o veneno de aranhas do Ceará, que podem levar a novos analgésicos. A biodiversidade brasileira é um laboratório inexplorado — mas só se os habitats forem preservados.

O que isso ensina sobre educação e ciência no Brasil?

A questão do Enem mostra que ciência não é só fórmulas — é história, adaptação e conexão entre natureza e tecnologia. Ela desafia o ensino tradicional, que muitas vezes ignora o contexto ecológico. Quando alunos entendem que um lagarto pode salvar vidas, a biologia deixa de ser memorização e vira significado. É isso que o futuro da educação precisa ensinar: curiosidade, não apenas respostas.